O debate sobre a questão da redução da maioridade penal se
acirrou depois que a Comissão de Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados
considerou que a proposta é constitucional, o que permite sua tramitação pelo
legislativo brasileiro. Nada foi aprovado ainda, é verdade. Apenas a
possibilidade de ser aprovada tem sido motivo para as mais diversas
manifestações pró e contra. Quero neste texto apresentar minha posição.
Há alguns contrários que chegam ao absurdo de dizer que a
provação de tal medida roubará a infância de nossas crianças. Como assim? Será
que eles estão se referindo àquela brincadeira do tipo pega-pega que chamávamos
no meu tempo de “polícia e ladrão”? Só se for. Porque a tal PEC 33/2012 nada
dispõe sobre a infância e sim sobre a delinquência adolescente. E até mesmo os
construtivistas concordam que a partir dos 12 anos, a infância foi deixada para
trás. A imagem ao lado chega a ser absurda e nada tem a ver com o que se propõe no projeto.
Há quem seja contra argumentando a inabilidade do Estado de
prover o necessário para um julgamento correto dos crimes praticados por
menores de 18 anos, tendo em vista que a PEC não reduz de modo generalizado a
maioridade penal para 16 anos, mas apenas
acrescenta “um parágrafo único para prever a possibilidade de
desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos e
menores de dezoito anos por lei complementar[1]”.
“A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da
pessoa entender (sic) que o fato é
ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade
psíquica[2]”.
Nossa legislação atual entende que infratores menores de 18 anos não são
capazes de entender a ilicitude de seus atos e portanto não podem ser imputados
de culpa, ou penalidade igual a de um maior em idade devendo antes ser tratado
de maneira sócio-educativa.
Portanto, na prática significa que se a autoridade
competente julgar que o infrator, maior de 16, e menor de 18 anos, estava em
plena consciência dos seus atos poderia considerá-lo passível de imputabilidade
e ser então julgado e condenado como um adulto, ou, maior de idade, enfrentando
junto com outros infratores adultos as mesmas punições.
A grande questão que levantam é a incapacidade atual das
forças policiais e judiciárias de atender tais casos. Segundo alguns o
judiciário já está por demais sufocado e mesmo os casos de adultos são muitas
vezes tratados de forma errônea. Como será o tratamento destes adolescentes?
Há ainda o argumento de que o sistema prisional brasileiro é
tão ruim e cruel que serviria apenas para fomentar a criminalidade destes
menores infratores. Uma espécie de universidade do crime para eles.
Alguns opositores ainda argumentam que já existe legislação
para responsabilizar e penalizar o menor infrator que seria suficiente para
educá-lo sociologicamente de modo a recuperá-lo para que não mais cometa
crimes. Conforme argumenta este opositor o erro está no cumprimento da Lei e
não na Lei.
“O ECA prevê
seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de
serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação.
Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la,
as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes, que
são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua
reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente
pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três
em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e
ajudando a se reinserir na sociedade. Não adianta só endurecer as leis se o
próprio Estado não as cumpre[3]”.
Há ainda aqueles que argumentam que o sentimento de vingança
da sociedade por ver a impunidade e o crescente índice de violência
especialmente nesta faixa etária não pode ser justificativa para a criação de
uma lei apenas para satisfazer os ânimos acirrados.
Minha posição derivada da minha cosmovisão cristã é a
seguinte:
A Bíblia é muito clara ao afirmar que a disciplina punitiva
se torna necessária quando o mal é praticado de forma deliberada e consciente –
vide Deuteronômio 21.18-21[4].
Embora a lei ali descrita não seja uma regra a se aplicar
hoje, o princípio ainda permanece – males praticados de maneira consciente são
dignos de mais severa punição. É assim nossa legislação entende ao fazer
diferença entre dolo e culpa, crimes comuns e crimes hediondos.
A Bíblia afirma também que “a estultícia está ligada ao
coração da criança”(Pv 22:15); ainda que o coração do homem “é inteiramente
inclinado para o mal desde a infância” (Gn 8:21 - NVI). Adolescentes não são
fruto de uma sociedade corrompida. São corruptos em si mesmos. São inclinados por
seu coração ao mal como todo ser humano o é. O diferencial é que, em sua idade,
ele já apto para discernir entre o certo e errado e capaz de optar livremente
por um de ambos.
Portanto o adolescente, que não é mais nenhuma criança, já
tem completa noção do que é certo e errado e é capaz de julgar conscientemente
a qualidade moral de seus atos podendo ou não fazê-los.
A partir dos 16 anos de
idade apresentam comportamento consciente em suas atitudes e portanto podem sim
ser considerados imputáveis. O máximo que podemos dizer é que eles podem não
ser totalmente conscientes das consequências de seus atos, mas isso não os
torna inimputáveis. No máximo, inconsequentes (e como há “adultos” assim!).
Adolescentes são capazes sim de atos dolosos, hediondos e conscientes.
E se são conscientemente capazes dos mesmos, devem igualmente responder a
altura dos mesmos. E se queremos apelar para o fator social não nos faltariam
casos para mostrar isso. Não dar-lhes tal punição seria ser conivente com seus
erros e injusto para com aqueles que lhes estão sujeitos.
Quanto ao argumento de serviria para aumentar a
periculosidade dos infratores eu respondo que sim, que é possível. Mas vivendo
nas condições em que vivem, expostos a bandidos que estão em liberdade nas favelas
eles também não estão sujeitos às mesmas condições? Nas escolas de periferias o
banditismo é reverenciado. Não é preciso ir para a prisão para que o menor
infrator cresça em criminalidade.
O filósofo Olavo de Carvalho afirma em um de seus textos em rede
social: “Quem lhe disser que enviar um assassino menor de idade à cadeia só vai
lhe dar acesso ao aprendizado do crime tem de responder: E quem já aprendeu a
matar ainda tem algo mais a aprender em matéria de crime?”.
Ele tem razão. Criminalidade não se aprende na cadeia. Cadeia
é lugar de quem já sabe ser criminoso. Por isso entendo que argumentar baseado nesta
possibilidade não é racional.
Quanto ao argumento da capacidade, propriedade e habilidade
do Estado na execução correta da Lei. Estou consciente de todos os problemas e
fragilidades do Estado em cumprir suas funções sociais. Todos os setores
envolvidos apresentam falhas e deficiências que podem comprometer a correta
aplicação da Lei. Mas acho que a fragilidade do Estado não é justificativa para
não se tomar tal medida, assim como as fragilidades da democracia não são
motivo para se abraçar a ditadura. Penso que se deve aparelhar e preparar o
Estado adequadamente para que se faça cumprir a contento a Lei.
E não apenas isso. Embora não seja um socialista, penso que
o Estado tem um papel social imprescindível. O Estado deve proporcionar melhor
educação, saúde e segurança em todos os setores da sociedade, desde a favela
até aos bairros nobres. Mas como disse acima, a falha social do Estado não
justifica sua omissão moral. Como disse Jesus aos fariseus hipócritas de seu
tempo, “fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” (Mt 23:23).
Quanto a questão da existência de leis educativas. Tais leis
são suficientes para fazer com que o individuo menor mude seu rumo de vida. Mas
e quando tais medidas não são mais eficazes? O que fazer? O certo é que quando
uma medida sócio-educativa não surte mais efeito, o Estado deve ampliar mais o
grau de sua disciplina.
Precisamos tirar da nossa mentalidade que disciplina é
antieducativa. Disciplina nas Escrituras é apresentada como uma demonstração do
amor de Deus que visa ao aperfeiçoamento do indivíduo. O texto de Provérbios
22.15 (supra citado) termina assim “mas a vara da disciplina a afastará dela”.
Assim, toda disciplina é educativa. Contudo há níveis diferentes
de disciplina. Para casos mais graves disciplina mais dura.
Entendo que a educação pode claramente tornar o individuo
cônscio de seus direitos, deveres, e das escolhas que podem torná-lo uma pessoa
de bem. Mas a educação não garante que ninguém será socialmente correto. O
conhecimento torna-nos responsáveis, mas não garante que o seremos. A sabedoria
sim, essa força o individuo a fazer o que é correto e bom para si e para todos
ao seu redor. Mas sabedoria não se adquire com conhecimento, embora possa fazer
uso dele.
Chega uma hora em que se faz necessário a punição, o
castigo, a justiça. Minha convicção cristã e bíblica me ensina isso. Embora as
Escrituras ensinem a necessidade de pais ensinarem seus filhos na obediência à
Palavra de Deus, e ainda, ensinem também que a obediência é proveitosa para si
e para comunidade, e mais, que é possível redimir o mais corrupto e vil ser
humano, todavia, em nenhum momento ela se olvida de afirmar um julgamento. Um
julgamento em que serão imputáveis todos os seres humanos. Nenhum será
considerado inimputável em qualquer idade que seja. Todo ser humano é um
agressor da Lei de Deus. Ele alerta, ensina e redime todo aquele que lhe dá
ouvidos. Mas condenará, sem apelação, sem vistas à educação, mas com vistas à
punição mesmo, todo aquele que, tendo conhecimento D’Ele deliberadamente
rejeitá-lo preferindo a si mesmo.
Partindo deste princípio, todo adolescente recebe ensino
suficiente para saber o que é certo e errado e suficiente para habilitá-lo a
fazer sua opção. É a liberdade de escolha que os torna responsáveis. Sou contra
qualquer tipo de determinismo social. E qualquer adolescente que, tendo
conhecimento seja deliberadamente infrator, merece ser julgado e punido em
conformidade com seu grau de consciência e conhecimento.
Por fim quanto ao argumento da vingança social. Neste ponto
eu concordo com os contrários à redução. Não podemos ser passionais embora, não
podemos também ser frios em relação à dor daqueles que sofreram e sofrem nas
mãos de menores infratores. A justiça precisa equilibrar ambos. Precisa ser
cega, mas também ter coração.
Não acho justo que se firme uma lei numa indignação geral. Mas
a indignação deve nos levar a um raciocínio correto, coerente e imparcial da
situação. O clamor da multidão não significa que deve ser feito. Mas significa
que devemos pensar com cuidado sobre o assunto.
Assim, sou a favor da redução da maioridade penal. Mas não
apenas disso. Também sou a favor do melhor aperfeiçoamento e aparelhamento do
Estado para que não apenas esta, mas todas as medidas judiciais sejam aplicadas
corretamente.
Sou a favor de um Estado que fomente o bem estar e segurança
do povo. De um Estado que julgue de maneira correta entre o justo e o injusto e
traga a devida punição para o infrator consciente e contumaz, doloso e
hediondo, tenha ele 16, 17, 18... anos de idade.
Marcelo Batista Dias
[1] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106330
[2] http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/30/18-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/
[3] Ibid.
[4] Deuteronômio 21:18-21 Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde,
que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe e, ainda castigado, não lhes dá
ouvidos, 19 seu pai e sua mãe o pegarão,
e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta,
20 e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à
nossa voz, é dissoluto e beberrão. 21
Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão até que morra; assim,
eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e temerá.