quinta-feira, 16 de abril de 2015

Sobre a Redução da Maioridade Penal

   O debate sobre a questão da redução da maioridade penal se acirrou depois que a Comissão de Legislação e Justiça da Câmara dos Deputados considerou que a proposta é constitucional, o que permite sua tramitação pelo legislativo brasileiro. Nada foi aprovado ainda, é verdade. Apenas a possibilidade de ser aprovada tem sido motivo para as mais diversas manifestações pró e contra.   Quero neste texto apresentar minha posição.
   


Há alguns contrários que chegam ao absurdo de dizer que a provação de tal medida roubará a infância de nossas crianças. Como assim? Será que eles estão se referindo àquela brincadeira do tipo pega-pega que chamávamos no meu tempo de “polícia e ladrão”? Só se for. Porque a tal PEC 33/2012 nada dispõe sobre a infância e sim sobre a delinquência adolescente. E até mesmo os construtivistas concordam que a partir dos 12 anos, a infância foi deixada para trás. A imagem ao lado chega a ser absurda e nada tem a ver com o que se propõe no projeto.

  Há quem seja contra argumentando a inabilidade do Estado de prover o necessário para um julgamento correto dos crimes praticados por menores de 18 anos, tendo em vista que a PEC não reduz de modo generalizado a maioridade penal para 16 anos, mas apenas  acrescenta “um parágrafo único para prever a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos por lei complementar[1]”.
   “A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender (sic) que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica[2]”. Nossa legislação atual entende que infratores menores de 18 anos não são capazes de entender a ilicitude de seus atos e portanto não podem ser imputados de culpa, ou penalidade igual a de um maior em idade devendo antes ser tratado de maneira sócio-educativa.
   Portanto, na prática significa que se a autoridade competente julgar que o infrator, maior de 16, e menor de 18 anos, estava em plena consciência dos seus atos poderia considerá-lo passível de imputabilidade e ser então julgado e condenado como um adulto, ou, maior de idade, enfrentando junto com outros infratores adultos as mesmas punições.
   A grande questão que levantam é a incapacidade atual das forças policiais e judiciárias de atender tais casos. Segundo alguns o judiciário já está por demais sufocado e mesmo os casos de adultos são muitas vezes tratados de forma errônea. Como será o tratamento destes adolescentes?
   Há ainda o argumento de que o sistema prisional brasileiro é tão ruim e cruel que serviria apenas para fomentar a criminalidade destes menores infratores. Uma espécie de universidade do crime para eles.
   Alguns opositores ainda argumentam que já existe legislação para responsabilizar e penalizar o menor infrator que seria suficiente para educá-lo sociologicamente de modo a recuperá-lo para que não mais cometa crimes. Conforme argumenta este opositor o erro está no cumprimento da Lei e não na Lei.

“O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade. Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre[3]”.

   Há ainda aqueles que argumentam que o sentimento de vingança da sociedade por ver a impunidade e o crescente índice de violência especialmente nesta faixa etária não pode ser justificativa para a criação de uma lei apenas para satisfazer os ânimos acirrados.
    Minha posição derivada da minha cosmovisão cristã é a seguinte:
   A Bíblia é muito clara ao afirmar que a disciplina punitiva se torna necessária quando o mal é praticado de forma deliberada e consciente – vide Deuteronômio 21.18-21[4].
   Embora a lei ali descrita não seja uma regra a se aplicar hoje, o princípio ainda permanece – males praticados de maneira consciente são dignos de mais severa punição. É assim nossa legislação entende ao fazer diferença entre dolo e culpa, crimes comuns e crimes hediondos.
   A Bíblia afirma também que “a estultícia está ligada ao coração da criança”(Pv 22:15); ainda que o coração do homem “é inteiramente inclinado para o mal desde a infância” (Gn 8:21 - NVI).     Adolescentes não são fruto de uma sociedade corrompida. São corruptos em si mesmos. São inclinados por seu coração ao mal como todo ser humano o é. O diferencial é que, em sua idade, ele já apto para discernir entre o certo e errado e capaz de optar livremente por um de ambos.
   Portanto o adolescente, que não é mais nenhuma criança, já tem completa noção do que é certo e errado e é capaz de julgar conscientemente a qualidade moral de seus atos podendo ou não fazê-los. 
   A partir dos 16 anos de idade apresentam comportamento consciente em suas atitudes e portanto podem sim ser considerados imputáveis. O máximo que podemos dizer é que eles podem não ser totalmente conscientes das consequências de seus atos, mas isso não os torna inimputáveis. No máximo, inconsequentes (e como há “adultos” assim!).
   Adolescentes são capazes sim de atos dolosos, hediondos e conscientes. E se são conscientemente capazes dos mesmos, devem igualmente responder a altura dos mesmos. E se queremos apelar para o fator social não nos faltariam casos para mostrar isso. Não dar-lhes tal punição seria ser conivente com seus erros e injusto para com aqueles que lhes estão sujeitos.    
   Quanto ao argumento de serviria para aumentar a periculosidade dos infratores eu respondo que sim, que é possível. Mas vivendo nas condições em que vivem, expostos a bandidos que estão em liberdade nas favelas eles também não estão sujeitos às mesmas condições? Nas escolas de periferias o banditismo é reverenciado. Não é preciso ir para a prisão para que o menor infrator cresça em criminalidade.
   O filósofo Olavo de Carvalho afirma em um de seus textos em rede social: “Quem lhe disser que enviar um assassino menor de idade à cadeia só vai lhe dar acesso ao aprendizado do crime tem de responder: E quem já aprendeu a matar ainda tem algo mais a aprender em matéria de crime?”.  
   Ele tem razão. Criminalidade não se aprende na cadeia. Cadeia é lugar de quem já sabe ser criminoso. Por isso entendo que argumentar baseado nesta possibilidade não é racional.  
   Quanto ao argumento da capacidade, propriedade e habilidade do Estado na execução correta da Lei. Estou consciente de todos os problemas e fragilidades do Estado em cumprir suas funções sociais. Todos os setores envolvidos apresentam falhas e deficiências que podem comprometer a correta aplicação da Lei. Mas acho que a fragilidade do Estado não é justificativa para não se tomar tal medida, assim como as fragilidades da democracia não são motivo para se abraçar a ditadura.   Penso que se deve aparelhar e preparar o Estado adequadamente para que se faça cumprir a contento a Lei.

   E não apenas isso. Embora não seja um socialista, penso que o Estado tem um papel social imprescindível. O Estado deve proporcionar melhor educação, saúde e segurança em todos os setores da sociedade, desde a favela até aos bairros nobres. Mas como disse acima, a falha social do Estado não justifica sua omissão moral. Como disse Jesus aos fariseus hipócritas de seu tempo, “fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” (Mt 23:23).
   Quanto a questão da existência de leis educativas. Tais leis são suficientes para fazer com que o individuo menor mude seu rumo de vida. Mas e quando tais medidas não são mais eficazes? O que fazer? O certo é que quando uma medida sócio-educativa não surte mais efeito, o Estado deve ampliar mais o grau de sua disciplina.  
   Precisamos tirar da nossa mentalidade que disciplina é antieducativa. Disciplina nas Escrituras é apresentada como uma demonstração do amor de Deus que visa ao aperfeiçoamento do indivíduo. O texto de Provérbios 22.15 (supra citado) termina assim “mas a vara da disciplina a afastará dela”.
   Assim, toda disciplina é educativa. Contudo há níveis diferentes de disciplina. Para casos mais graves disciplina mais dura.
    Entendo que a educação pode claramente tornar o individuo cônscio de seus direitos, deveres, e das escolhas que podem torná-lo uma pessoa de bem. Mas a educação não garante que ninguém será socialmente correto. O conhecimento torna-nos responsáveis, mas não garante que o seremos. A sabedoria sim, essa força o individuo a fazer o que é correto e bom para si e para todos ao seu redor. Mas sabedoria não se adquire com conhecimento, embora possa fazer uso dele.   
   Chega uma hora em que se faz necessário a punição, o castigo, a justiça. Minha convicção cristã e bíblica me ensina isso. Embora as Escrituras ensinem a necessidade de pais ensinarem seus filhos na obediência à Palavra de Deus, e ainda, ensinem também que a obediência é proveitosa para si e para comunidade, e mais, que é possível redimir o mais corrupto e vil ser humano, todavia, em nenhum momento ela se olvida de afirmar um julgamento. Um julgamento em que serão imputáveis todos os seres humanos. Nenhum será considerado inimputável em qualquer idade que seja. Todo ser humano é um agressor da Lei de Deus. Ele alerta, ensina e redime todo aquele que lhe dá ouvidos. Mas condenará, sem apelação, sem vistas à educação, mas com vistas à punição mesmo, todo aquele que, tendo conhecimento D’Ele deliberadamente rejeitá-lo preferindo a si mesmo.
   Partindo deste princípio, todo adolescente recebe ensino suficiente para saber o que é certo e errado e suficiente para habilitá-lo a fazer sua opção. É a liberdade de escolha que os torna responsáveis. Sou contra qualquer tipo de determinismo social. E qualquer adolescente que, tendo conhecimento seja deliberadamente infrator, merece ser julgado e punido em conformidade com seu grau de consciência e conhecimento.
   Por fim quanto ao argumento da vingança social. Neste ponto eu concordo com os contrários à redução. Não podemos ser passionais embora, não podemos também ser frios em relação à dor daqueles que sofreram e sofrem nas mãos de menores infratores. A justiça precisa equilibrar ambos. Precisa ser cega, mas também ter coração.
    Não acho justo que se firme uma lei numa indignação geral. Mas a indignação deve nos levar a um raciocínio correto, coerente e imparcial da situação. O clamor da multidão não significa que deve ser feito. Mas significa que devemos pensar com cuidado sobre o assunto.
   Assim, sou a favor da redução da maioridade penal. Mas não apenas disso. Também sou a favor do melhor aperfeiçoamento e aparelhamento do Estado para que não apenas esta, mas todas as medidas judiciais sejam aplicadas corretamente.
   Sou a favor de um Estado que fomente o bem estar e segurança do povo. De um Estado que julgue de maneira correta entre o justo e o injusto e traga a devida punição para o infrator consciente e contumaz, doloso e hediondo, tenha ele 16, 17, 18... anos de idade.  

Marcelo Batista Dias



[1] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106330
[2] http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/30/18-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/
[3] Ibid.
[4] Deuteronômio 21:18-21  Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de seu pai e à de sua mãe e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos,  19 seu pai e sua mãe o pegarão, e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta,  20 e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é dissoluto e beberrão.  21 Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão até que morra; assim, eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e temerá.

quarta-feira, 11 de março de 2015

O terror que assola ao meio dia

As mídias sociais disponíveis 24 horas por dia por meio de celulares, tablet’s e afins, tem proporcionado uma interação múltipla jamais vista. Milhares e milhares de pessoas se relacionando por tais mídias a toda hora, em todo tempo, o dia todo. Isso tem seus benefícios. Mas tem seus malefícios também. Mais do que se imagina.

Pense por exemplo nas lendas urbanas. No meu tempo de infância e adolescência, uma lenda urbana demorava tempo para se propagar. Claro, pois a única forma de se conversar era pessoalmente. Depois veio o telefone, mas “era caro demais para se gastar tempo com essas palhaçadas” – dizia meu pai.

Quem nunca temeu ir ao banheiro da escola sozinho, com medo da “mulher de branco”, ou da “loira do banheiro”? Tempos bons aqueles em que lendas urbanas somente nos faziam sentir aquele frio na barriga, ou tremor na “espinha”.

Hoje em dia as lendas urbanas surgem aos milhares e se espalham na velocidade incalculável dos “curtir” e “compartilhar”, dos dedos frenéticos no “zap-zap”. O grande problema é que elas se tornaram muito mais assustadoras e perigosas.

Bem mais parecidas com a vida real, e muito mais disfarçadas de verdades que as antigas, as lendas urbanas de hoje causam pânico geral. Pessoas se desesperam pelo fato de a situação de segurança publica ser tão ruim em nossa nação e repassam indiscriminadamente informações sem o mínimo de escrúpulo, reflexão, ou pesquisa para saber se a coisa procede mesmo.

Pior ainda são aqueles que se aproveitam disso para “trollar” pessoas expondo as mesmas ao ridículo e ao risco de serem linchadas em praça pública dependendo do boato em que são inseridas.

Ainda pior é a maldade de quem fabrica tais informações apenas para ver o pânico geral e se esconde atrás do “acabei de receber de um grupo policial e estou repassando”. O cinismo esconde a verdadeira maldade que habita o coração.

Neste caso tais mídias sociais se tornam uma forma de o indivíduo expressar sua maldade e alcançar o coletivo sem correr o risco de ser incriminado, discriminado, preso, ou sequer ser criticado. Afinal tudo não passa de brincadeira, de piada, e não se pode levar a sério este tipo de coisa – dizem eles. Mas o que vemos na verdade, é o terror disfarçado de jocosidade.

Por isso meu querido, se você leu até aqui, peço-lhe encarecidamente, não seja mais um propagador deste terror que assola os dias e noites de nosso tempo. Pense no conselho do sábio Salomão: “Não é bom proceder sem refletir, e peca quem é precipitado”. (Provérbios 19:2).

Seja criterioso. Avalie. Pesquise. Não seja massa de manobra de sociopatas disfarçados de palhaço. Pense! Use sua cabeça antes de usar seus dedos.
Marcelo Batista Dias

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Codinome: Pescador

Você já reparou que nossas atividades profissionais se tornam parte de nossa vida, de nossa identidade? Quando somos perguntados: “Em que você trabalha?” Normalmente respondemos: “Eu sou pastor”; “Sou engenheiro”; “Sou funcionário público”; “Sou estudante”... e por aí vai.


Pensando nisso gostaria de meditar sobre o chamado de Jesus para seus discípulos e igreja: “Vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens” (Mc 1.17). Este é mais que um chamado para fazer. É um chamado para ser.

Neste sentido, a missão da igreja não pode ser encarada como apenas um aspecto de sua função, mas como parte de sua própria identidade. A igreja nasceu para ter a evangelização como parte de sua essência e não como um programa de fim de semana.

Mas nós nos perdemos em algum lugar quanto a este assunto. Por isso as agências missionárias se tornaram tão necessárias. Estamos assim ao invés de pescar, pagamos alguém para pescar para nós.

É claro que em relação à missão longe da igreja local, tais agências se fazem necessárias. Mas o problema está no fato de que nos esquecemos que ajudar um missionário no exterior, não nos livra da responsabilidade de sermos missionários onde estamos.

Precisamos nos despertar para esta realidade o quanto antes. Jesus não nos chamou para praticarmos pesca esportiva de fim de semana. Mas para sermos seus pescadores em todo e qualquer lugar em que formos. Chamando os homens ao arrependimento e os levando a Cristo, que liberta e dá vida. 

É parte de nossa essência como Igreja. Que Deus nos ajude nessa tarefa.

Marcelo Batista Dias

Bíblia On Line